quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Sublime e saboroso


Dizem que o cinema é uma arte que se faz em grupo. E é verdade. Talvez seja por que os filmes misturam uma série de elementos... cores, texturas, movimentos, sons, personagens, palavras, músicas, além daquelas coisas que a gente não enxerga, mas que o cinema nos faz sentir. A arte do êxtase profundo, como dizia Luis Buñuel. E são essas coisas, que a gente não vê, mas que o filme sugere, que fazem do longa-metragem nacional O ano em que meus pais saíram de férias (Cao Hamburger, 2007) uma obra-prima.
Em tempos de exacerbação da violência, de culto à arma de fogo, de voyerismo da pancadaria, de banalização do assassinato, eis um filme que devemos aplaudir de pé: ele fala do horror da ditadura sem mostrar uma só cena violenta. E o que é mais fantástico: O ano consegue nos fazer sentir o absurdo que foi esse momento na história nacional de forma tão ou mais forte do que outros filmes que abordam o assunto abusando das cenas de tortura.
O mundo está em crise. E o cinema, enquanto meio de comunicação social, não deve ficar alheio a isso. Mas existem várias formas de criticar, sem que haja a necessidade de explorar a violência. Quanto mais vemos violência, mais nos acostumamos com ela.
Pensando nisso, eu relembro a música do Pedro Luis e a Parede “sou a favor da pena de vida. Se o sujeito cagou, pisou na bola, tem que resolver aqui, não pode sair fora”. Qualquer violência, seja na ditadura, seja na guerra civil nacional, deve ser tratada como uma absurdidade, e não com naturalidade. Mas, ainda resta um pouco de esperança. E acho que a arte pode nos mostrar isso. Filmes que apenas insinuam, que fazem refletir de forma poética, exaltam as coisas belas do mundo e não contribuem com a banalização da violência.
Além disso, O ano é cheio de simplicidades geniais. O roteiro mantém o público ligado na história, porque traz uma série de riquezas, como a senhora cega servindo o almoço fora do prato; a garotinha que é a líder da turma de moleques – a melhor no futebol e aquela que já sabe ganhar dinheiro em cima da curiosidade sexual dos meninos –; uma copa do mundo em que até os estrangeiros não conseguem ficar sem torcer pro Brasil; um menino que espera ansioso um telefonema e leva o telefone (com fio!) aonde quer que vá.
O tom sublime e adorável do filme é reforçado pelas crianças. E que criança esse garoto Michel Joelsas, que vive Mauro, o personagem principal. Um banho de atuação para muito marmanjo premiado. Enfim, o filme é completo - a direção de arte, onde tudo é marrom e azul, a fotografia com planos sensacionais e autorais, a edição impecável, o roteiro inteligente, a atuação simples e cativante, a sensação que nos passa... tudo!
O filme foi selecionado como o candidato brasileiro para concorrer a uma vaga no Oscar de Filme Estrangeiro, mas isso não é o mais importante. Importante é que é um bom filme feito no Brasil. Então, se você ainda não viu, assista. Já está mais do que na hora de tomarmos a prática, e o gosto, por consumirmos filmes nacionais, que falem de coisas da gente, que contem a nossa história.

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